Mais uma aventura aventurosa de Talia e Duna, parte 1 - Tiparis

Essa história é a continuação de "O resgate dos ricos panos", que você também poder ler gratuitamente, é só seguir o link. Os personagens e a trama inicial foram criados em parceria com meus colegas de RPG, Tiago Perreto, Jorge Luís Ferreira Enomoto e Eduardo Capistrano. A partir de agora minha história começa a se distanciar da que nós começamos lá em 2003... Mas eu espero que Duna e Sagan nunca deixem de ser como foram criados. E vamos à aventura!

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Mais uma aventura aventurosa de Talia e Duna (título provisório, claro).

Parte 1 - Tiparis

Em que, inspirado pela tranquilidade matinal de nossa heroína, o leitor pode conhecer mais detalhadamente as curiosas aves que são nome e símbolo da mais próspera e agitada província do reino de Valoton.

Definitivamente, a época do ano mais bonita, para Talia, é o início do verão, antes das chuvas. Nessa época, as manhãs costumam ser magníficas em Pouso das Garças. Mesmo indo dormir tarde quase todas as noites, devido ao trabalho na taberna, ela tenta acordar cedo todas as manhãs e passar alguns momentos no seu lugar preferido, onde um pequeno afluente encontra o rio das Garças Azuis. O riacho é chamado de Cachoeirinha, devido à queda d'água que barulheia o dia todo a poucos metros do encontro entre os rios. Há cerca de vinte anos, toda a mata da margem do Garças, com exceção dos portos das cidades principais, foi restaurada com árvores nativas, e os bosques foram crescendo fortes e sadios sob os cuidados zelosos dos moradores. Foi uma decisão conjunta da população de toda a província de Tipari, numa tentativa de preservar o seu mais imponente símbolo, uma espécie de garça azul gigante, a tipari. Naquela época, mesmo com a caça proibida há algumas décadas, as grandes aves só eram vistas em Tipari raramente, em pequenos bandos, e somente no litoral da província. Os Pioneiros e Primitivos da cidade queriam voltar a ver os lindos pássaros também na capital, que já havia sido, há muito tempo, um local costumeiro de descanso das aves. O Conselho sugeriu que todos deixassem o rio voltar a ser o que era antes da expansão da cidade. E proibir qual quer construção futura no delta do rio, onde as aves se reproduziram. E todos concordaram e trabalharam para isso. E agora alguns bandos de aves já se aventuravam, principalmente nessa época, até ali, para pescar e descansar. Talia adorava passar alguns minutos do dia sentada na grama do bosque próximo ao encontro dos dois rios, apenas observando a vida e a beleza do lugar.

O resgate da carga de tecidos havia tomado mais tempo e energia do que Talia imaginava e, no dia anterior, ela havia faltado à sua rotina matinal de observação. Então naquele dia, mesmo um pouco cansada por passar a noite conversando com Duna, resolveu acordar cedo. Ela precisava pensar. Muita coisa tinha mudado nesses últimos dois dias. Ela havia ajudado a recuperar uma carga roubada e, apesar de toda a luta com os ladrões ter sido praticamente resolvida por Sagan, o Machado Maldito (Talia sorriu, porque agora o nome dele tinha aumentado um pouco e estava começando a ficar famoso), ela tinha participado ativamente do trabalho e gostado muito. Sem falar nos cinco ou seis slurps que tinha conseguido acertar com suas facas. Talvez fosse uma boa hora para mudar de ramo... Talia sempre gostou muito de dançar, mas ultimamente a rotina de ensaios e apresentações estava ficando entediante e cansativa. E se entrasse para o ramo da segurança de caravanas, que era mesmo tão empolgante quanto ela imaginava, ainda poderia dançar quando quisesse. E sempre teria Pouso das Garças e as tiparis por ali.

É claro que um dos principais motivadores dessa decisão era Duna. Talia se descobriu interessada no rapaz. Ela conhecia um punhado de homens parecidos com ele: corajosos, fortes, que resolviam rapidamente as situações de conflito. Seu irmão mesmo era muito parecido com Duna, por esse lado. Mas nunca tinha conhecido nenhum homem que tratasse mulheres solteiras como iguais, como colegas. Somente esposas eram merecedoras dessa distinção. E apenas quando o homem com quem tinham casado lhes concedia isso. Mas para Duna parecia a coisa mais natural do mundo incluir Talia e suas opiniões nos planos do grupo. Muito incomum... e bastante interessante. Ela não seria só um enfeite, um disfarce, nem seria a "senhorita indefesa", com aspas, a que Tremelassé se referia. Ela seria uma parte da equipe. Isso sim fazia toda a diferença. Será que todos os homens do deserto agiam assim? Como deve ser diferente ser mulher naquele lugar, tomar parte em todas as decisões! E Duna... ele tinha ficado muito bonito com a manta de leopardo, barbeado e aprumado... “qualidades estéticas é claro”, Talia lembrou, sorrindo, de como ele havia falado do embaixador, mas também bastante apreciáveis.

Os pensamentos de Talia sobre o novo amigo foram interrompidos pelo ruído das asas de um bando de garças azuis se aproximando do rio para pescar. Os animais tinham a metade do tamanho de uma pessoa adulta. O corpo todo, inclusive as imponentes asas tinham a cor exata do céu nessa hora do amanhecer, e o voo das aves contra o azul mais distante do céu era um espetáculo que sempre encantava Talia. Ela nunca havia encontrado esse tom de azul em outro lugar. Somente no céu da manhã e nas asas das graciosas aves. Azul tipari. Era realmente especial. Talia se deixou levar pela beleza dos voos rasantes das aves e esqueceu, por alguns minutos, de todo o resto. “Como nós algum dia pudemos deixar que essas aves quase sumissem? Como fomos tolos!” Então um barulho de passos atrás dela chamou sua atenção. Ela se virou para olhar e deparou com um dos ajudantes do senhor Tremelassé, esbaforido:

“Senhorita Talia, o senhor Tremelassé está chamando a senhorita! É urgente!” – o garoto mal podia respirar, devia ter corrido desde a taberna até ali. Ou desde a guilda, Talia pensou. Tremlassé não era conhecido por ser paciente com seus aprendizes.

“Calma, menino, já passou seu recado. Sente-se aqui e descanse um pouco. Me conte o que tem de tão urgente assim nesse chamado do Tremelassé... não pode ser pior do que a carga roubada...”

“Ah, senhorita Talia, é uma coisa muito, muito importante!” – o rapaz não tinha sentado e já se preparava para sair: – “Preciso encontrar o senhor Duna também! É urgente!”

“Bom, se é tão urgente a ponto de chamar o Duna também... deixe-me ir com você! Mas sem correria! Não a essa hora da manhã!”

Talia se levantou, mas o moço já estava longe. “Acho que vou conversar com Tremelassé sobre o tratamento que ele dá a esses rapazes... não é nada justo que tenham tanto medo dele... pobrezinhos...” Talia foi se encaminhando para a guilda. “Com tanta pressa ele vai achar o Duna logo... é, pode ser que o Tremelassé esteja certo em ser tão rígido com seu pessoal...” Talia não conseguiu se apressar, nessas horas da manhã seu espírito exigia calma. Ela ainda olhava para o céu, para não perder algum outro bando de aves que por ventura também viesse pescar, quando entrou no centro da cidade e ouviu Duna chamando por ela.

“Talia! Bom dia!” – ele aparentava um pouco de pressa também, talvez o garoto tivesse entrado em detalhes com ele... – “Está indo até a guilda? O menino do Tremelico encontrou você? Já sabe que agora ele está indo até a casa de Sagan procurá-lo?”

“Bom dia pra você também, Vagante das Dunas! Sim, estou indo até a guilda, mas a essa hora da manhã nada me faz ter pressa... você está vendo lá?” – Talia apontou o céu, outro bando de garças estava sobrevoando a cidade em direção ao rio – “Novas tiparis estão chegando. A cada ano temos mais. Elas são tão lindas... e já foram tão poucas... quase perdemos nosso símbolo mais importante...”

Duna olhou contrariado para onde a moça apontava, mas assim que percebeu a beleza impressionante do voo das aves se deixou distrair e começou a observá-las também:

“São magníficas! Realmente, que urgência pode haver em um pouco de tecidos se comparados com essa beleza toda, não é? No deserto os animais são muito diferentes daqui.”

“Ah sim, as pobrezinhas precisam de muita água, muito peixe, muitas árvores... felizmente nós em Tipari aprendemos isso antes que elas desaparecessem. Todos daqui tem muito orgulho quando vemos que número de tiparis está aumentando, inclusive o Tremelassé. Não vê que ele tem aquele broche azul, igual a esse meu pingente? Ele foi um dos que mais doou terras para os bosques nas margens do rio...”

“Quem diria, um velhote tremelico e irritável!”

As aves desceram em direção ao rio e os dois puderam então olhar um para o outro. Duna estava vestindo novamente roupas de trabalho, mais grosseiras que o seu manto de leopardo, mas bem mais limpas que aquelas que usava quando conheceu Talia. Ela gostava dele assim, vestido como se estivesse pronto para tudo. Era isso que ela gostava nas pessoas, prontidão. Mesmo que ela mesma, às vezes, se deixasse levar em contemplações e devaneios, eram as pessoas ativas aquelas de quem ela mais gostava. Pensou que a roupa que ela mesma vestia nessa manhã dava a mesma impressão. Um vestido longo de algodão simples, o corpete onde sempre escondia uma ou duas pequenas facas e sandálias fortes. Não usava jóias, apenas seu colar com o pendente da tipari, como o que praticamente todos da cidade usavam, e os cabelos presos em uma trança no alto da cabeça. Pronta para o que surgisse. Duna pareceu gostar:

“Você está muito bonita, como sempre.”

“Como sempre? Você me conhece há três dias!”

“E em nenhum momento desses três dias eu tive qualquer evidência do contrário.”

Talia riu. Com certeza ele sabia cortejar. Mas esse tipo de conversa ela já conhecia. Ela poderia reagir àquilo como escolhesse... e já havia decido confiar em Duna, então aceitou o elogio da forma como estava sentindo-se verdadeiramente, com um sorriso sincero e uma retribuição:

“Obrigada, Duna, você também não está nada mal hoje.”

“Então aí estão vocês! Perdendo tempo com namoricos, enquanto Pouso das Garças e talvez toda a Tipari entram em crise! Jovens! Não podemos fazer nada sem eles, mas eles não querem nada conosco!” – Era Tremelassé, saindo da loja da guilda de encontro ao casal, como sempre, irritado e apressado: – “Poderiam andar mais depressa, sim? Deixem o romance para a noite, o dia foi feito para trabalhar! Venham, venham, depressa, preciso conversar com vocês em um local mais reservado!”

Duna e Talia atenderam rapidamente ao pedido do homem mais velho e o seguiram. A irritação de Tremelassé parecia um pouco diferente, mais urgente, e a necessidade de conversar em segredo interessou aos dois. “Tem alguma coisa aí e está cheirando à Vassília!” pensou Talia. E ela não poderia perder a oportunidade de descobrir o que era.

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