Mães não ouvem rock
( publicado originalmente em 2013, no coletivo Rocka, blog feminista sobre rock n roll que infelizmente acabou)
Em 2009, na gravidez do meu primeiro filho, perdi todas as minhas camisetas de banda. Nunca voltei ao tamanho delas e doei tudo. Tava me sentindo outra pessoa, mais séria, menos eu, não sei explicar. Ninguém mais puxou o assunto “rock” comigo, só conhecidos virtuais me mandando músicas e apresentando bandas. Aqui na vida real, nada de nada. Eu tava triste. Não tinha percebido muito bem o que tava faltando.
Michelle Pfeiffer e Saoirse Ronan em cena do filme "Nunca é tarde para amar", de 2007 |
Mas então, nas férias, assisti “Nunca é tarde para amar” (I Could Never Be Your Woman), com a Michelle Pfeiffer. Um romancinho água com açúcar, mas com cenas muito fofas de mãe e filha ouvindo e fazendo rock. Izzie, interpretada pela Saoirse Ronan, está treinando uma paródia da música “Ironic” de Alanis Morissette e a mãe dá dicas. Não lembro bem como foi, mas diva Michelle disse algo assim:
“Por que você não se solta?"
E o resultado não podia ter ficado mais bonitinho, vejam no Youtube. Daí me caiu a ficha:
Mas negócio é que quando virei mãe incorporei a seriedade da função. Talvez sejam as 24 horas por dia de preocupação, sei lá. Eu mesma não tinha percebido que tenho o mesmo preconceito com as mulheres que conheci já como mães. Isso a vida toda, nunca achei que mães ouvissem rock. Aí fui embora e voltei pra Pato Branco, que não é exatamente conhecida pelo mercado de música alternativa… rock em Pato Branco (até Beatles) é “alternativo”. Pessoal aqui ainda chama todo um universo de “rock pauleira”. Vai vendo. Meu preconceito consolidou como crença. Feio.
Então eu estava só convivendo por anos com roqueiras e nem imaginava! Desde que casei frequento a casa de um casal de primos do marido, que tem filhos pequenos também. Sempre conversamos sobre filhos, família, trabalho, esses assuntos do cotidiano que a gente conversa com pessoas queridas, mas que não tem aquele sabor de uma conversa sobre música… E, como sempre estava tocando música sertaneja, ou passando DVD de show sertanejo, era no terreno seguro da vida cotidiana hétero, branca, classe média em que eu ficava. O preconceito se apresentou pra mim falando que gente adulta, de Pato Branco, não ouve rock. Caí na conversa do preconceito e neguei a mim mesma.
Preconceito é assim, né, só vê as coisas quando são escancaradas. Eu precisei admitir o meu nesse sábado de Páscoa, na casa dos primos.
Cheguei na churrasqueira e vi a decoração recente, ainda brilhando de nova… quadros com posteres de Hendrix, Beatles, Stones, tudo! Classic rock por todo lado! E, tocando, sertanejo. Como assim? Como assim? O povo tem uma coisa na parede e outra no som? Não segurei:
- Ei, primo, isso tudo aí é só pra bonito?
Foi como se nós tivéssemos acabado de nos apresentar. “Mas então ela gosta de rock!” Surgiu um acervo infinito de shows antigos, dos anos 70, umas bandas malucas e desconhecidas que eu não lembro o nome porque tava provando umas pingas mineiras também… e. Nossa. É outra coisa quando a gente ouve a música que a gente gosta. A conversa muda, agora estamos falando com irmãos que não víamos há séculos, gente que conhecemos a vida toda, mesmo tendo conhecido à poucos anos (minutos, no caso!).
Rock nessa vida é um solo seguro, mas de um tipo sem bordas. Não tem pra onde cair, tudo é rock. Depois que se finca o pé é a nossa casa, nossa pátria. Decidi então andar vestida com as roupas e as armas da pátria, sempre, pra poder encontrar mais desterrados nesse fim de mundo paranaense. Facilita. No meu caso, perdi mais ou menos uns 5 anos do melhor tipo de amizade!
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