Aula de punk rock, por Henry DeTamble

Trecho de "A mulher do viajante no tempo", Audrey Niffenegger. Resenha em breve.


páginas 265 a 269.


Bobby e Jodie são um casal de 14 anos vestido de punks em 1991. Henry se encanta com os "punks mirins" e vai falar com eles. Clare está narrando e [eu estou entre colchetes]:

- Oi - diz Henry, muito envergonhado. - Eu só estava curioso, quer dizer, me perguntando o que é que vocês ouvem.
- Ouvem? - repete Bobby.
- É, de música. De que tipo de música vocês gostam?
Bobby se anima.
- Bom, dos Sex Pistols - diz e faz uma pausa.
- Claro - diz Henry, concordando com a cabeça. - Do Clash?
- É. E, ééé... do Nirvana...
- O Nirvana é bom - diz Henry.
- Do Blondie? - diz Jodie, como se sua resposta pudesse estar errada.
- Eu gosto do Blondie - digo. - E o Henry gosta da Deborah Harry. [eu também, Henry! muito! será que você chegou a ver ela cantando agora?]
- Ramones? - diz Henry. Eles fazem que sim com a cabeça ao mesmo tempo. - E a Patti Smith? - a cara de Jodie e Bobby fica inexpressiva.
- Iggy Pop?
Bobby faz que não com a cabeça.
- Pearl Jam - sugere
Intervenho.
- Aqui não tem uma rádio que seja muito boa - digo a Henry. - Não tem como eles descobrirem essas coisas. [em Pato Branco também não, mas Real Wild Child todo mundo daqui conhece:]
- Ah - diz Henry. Faz uma pausa. Olha, vocês querem que eu anote algumas coisas pra vocês? Pra ouvir? - Jodie dá de ombros. Bobby faz que sim com a cabeça, com uma cara séria e empolgada. Cato papel e caneta na bolsa. Henry senta à mesa da cozinha, e Bobby senta à sua frente. - Tudo bem - diz Henry. - Você tem que voltar aos anos 60, ok? Começa com o Velvet Underground, em Nova York. Aí, aqui em Detroit, tem o MC5 e Iggy Pop e os Stooges. Depois, voltando a Nova York, tinha New York Dolls, Heartbreakers...
- Tom Petty? - diz Jodie - A gente já ouviu falar.
- Ahn, não, essa era uma banda totalmente diferente - diz Henry. - Quase todos eles morreram nos anos 80. [Bobby e Jodie, é isso aqui, ó:]
- Desastre de avião? - pergunta Bobby.
- Heroína - corrige Henry. - De qualquer forma, tinha o Television, e Richard Hell e os Voidois, e a Patti Smith.
- Talking Heads - acrescento.
- Hmmm. Sei lá. Você acha que eles são mesmo punks?
- Eles estavam lá.[e eu não, mas ganhei uma música deles do Charles uma vez. Também não tenho certeza se é punk, mas vocês conhecem essa. Aliás, que estilão Clark Kent do David Byrne, né? Ele mudou...]

- Tudo bem. - Henry os inclui na lista. - Talking Heads. Aí a gente vai para a Inglaterra...
- Pensei que o punk tivesse começado em Londres - diz Bobby.
- Não. Claro - diz Henry empurrando a cadeira para trás -, algumas pessoas, inclusive eu, acham que o punk é só a manifestação mais recente disso, desse espírito, desse sentimento, sabe, de que as coisas estão tão erradas que único jeito é ficar repetindo foda-se bem alto até alguém parar a gente. [ou não... sempre dá pra ser sedado.]
- Sim - diz Bobby tranquilamente, a cara brilhando com um fervor quase religioso embaixo do cabelo espetado. - Sim.
- Você está corrompendo um menor - digo a Henry.
- Ah, ele iria chegar lá de qualquer maneira sem mim, não? [depois do youtube, com certeza!]
- Ando tentando, mas aqui não é fácil.
- Deu pra perceber - diz Henry. Ele está aumentando a lista. Olho pro cima de seu ombro. Sex Pistols, Clash, Gang of Four, Buzzcocks, Dead Kennedys, X, Mekons, Raincoats, Dead Boys, New Order, Smiths, Lora Logic, Au Pairs, Big Black, PiL, Pixies, Breeders, Sonic Youth... [dessas, eu acho que Buzzcocks é uma desconhecida do pessoal não-punk do Brasil. Pelo menos eu só fui descobrir muito, muito tempo depois das outras, de saber que era de punk que eu gostava. Não tinha nenhum single deles em rádios patobranquenses, mas tem coisa muito fofa e pop facinho que o papai a mamãe vão curtir... como essa. ops! o vovô e a vovó, agora né? eu tenho um filho, então não sou mais filha... . Detalhe pro nome do programa:]
- Henry, eles não vão conseguir arranjar nada disso aqui. - Ele faz que sim com a cabeça, e anota o telefone e o endereço do Vintage Vinyl no pé da página.
- Você tem toca-discos, certo?
- Meus pais têm - diz Bobby. Henry tava.
- Do que você gosta de verdade? - pergunto a Jodie.
Tenho a impressão de que ela ficou fora da conversa durante o ritual de camaradagem masculina entre Henry e Bobby.
- Prince - ela admite.
Henry e eu deixamos escapar um grande U-hu! Começo a cantar 1999 o mais alto que posso, Henry dá um pulo da cadeira e estamos os dois rebolando pela cozinha. Laura ouve e corre para pôr o disco propriamente dito e assim, do nada, a festa faz jus ao nome. [? Prince, 1999, ok. Não gostei muito.] 
[Henry está narrando agora]

Estamos voltando para a casa dos pais de Clare da festa de Laura. Clare diz:
- Você está muito calado.
- Eu estava pensando naqueles garotos. Os punks mirins.
- Ah sim. Pensando o quê?
- Eu estava imaginando o que fez aquele garoto...
- Bobby.
- ...Bobby, voltar para trás, se amarrar numa música que foi feita no ano em ele nasceu...
- Bom, eu gostava mesmo dos Beatles - ressalta Clare. - Eles se separaram um ano antes de eu nascer. [Eu gosto MESMO dos Beatles. Essa eu conheci comendo lasanha congelada na casa de um ficantinho muito apaixonado por eles, no século passado.]
You're never too old to
be punk rock!
Do Advanced Style
- Pois é, como é que é isso? Você tinha que ficar de quatro pelo Depeche Mode ou o Sting, alguém assim. O Bobby e a namorada deviam ouvir Cure [Cure é muito, muito bom, a propósito] se querem se fantasiar. Mas, em vez disso, eles caíram nesse movimento, o punk, de que não sabem nada...
- Tenho certeza de que é principalmente para irritar os pais. A Laura estava me contando que o pai dela não deixa a Jodie sair de casa vestida daquele jeito. Ela põe tudo na mochila e muda de roupa no banheiro da escola - diz Clare.
- Mas era isso o que todo mundo fazia, naquela época. Quer dizer, tem a ver com a afirmação do individualismo, eu entendo isso, mas por que eles estão afirmando o individualismo de 1977? Eles deviam estar usando flanela xadrez.
- Por que você liga para isso? - diz Clare.
- Isso me deprime. Serve para lembrar que o momento a que eu pertencia já era e, além do mais, foi esquecido. Nenhuma dessas músicas toca no rádio, não entendo por quê. É como se nunca tivesse acontecido. Por isso fico empolgado quando vejo a molecada se fingindo de punks, porque não quero que isso tudo simplesmente desapareça.
Sharon Caleffi também não quer que o punk desapareça.

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