"Um dia, o remorso appareceu e, dez annos depois de haver assassinado a esposa, suicidou-se

Esse é um artigo não assinado da Revista Criminal número 1, de julho de 1927. Para manter o clima, eu copiei com a ortografia da época:


"Aquella felicidade era, apenas, apparente. Dentro da alma daquelle homem humilde, que, agora se preparava para casar, que era noivo, que falava de amores, havia uma tragedia. Uma tragedia de verdade, occorrida ha, mais ou menos, dez annos, em Bangú. E, quando tinha certeza de estar só, de que ninguem o espreitava, elle chorava, soluçava como se fôra uma creança.
"O seu noivado, como que se lhe encarregára de reavivar-lhe, na idéa, toda aquella scena brutal, em que elle se via de revólver em punho, fumegando ainda, e a esposa morta, ensanguentada, tombada por terra, a seus pés...

"No dia dous do corrente, já nas vesperas de seu casamento, Christiano Pedro da Silva punha termo á vida, ingerindo violenta dóse de acido phenico, á qual addicionára uma bôa quantidade de alcool. Isso, no barracão em que vivia, nos fundos da casa 35, da rua Conselheiro Agostinho, em Inhaúma, onde residia sua noiva, Maria Mendonça.

* * *

'Maria. Escrevo-te este, que tem por fim communicar-te o meu suicidio. Lembranças deste que te quer bem. Sê feliz e adeus para sempre. - Christiano Pedro da Silva.'

"Esse bilhete foi encontrado pela policia do 19o. distrito no barracão do suicida.

"Encerra elle, além daquella declaração laconica, que é dirigida á noiva do morto, uma circumstancia assás extranha: as letras da assignatura e do resto do escripto são differentissimas. Em outras palavras, falando mais claramente: o bilhete foi escripto por outra pessoas, sendo apenas, assignado por Christiano. Esse ponto a policia, apesar das diligencias a que procedeu, não logrou esclarecer.

"E o motivo do suicidio?

"Maria, a noiva de Christiano, que se mostrou surpreza com o acontecimento, declarou que não houvera, entre elles, qualquer zanga, o que, aliás, é confirmado pelo bilhete acima. (...)

"Tudo indica que o infeliz se suicidou, movido pelo remorso, que achou de perseguil-o, agora, quando elle se preparava para casar com outra mulher.

* * *

"Christiano Pedro da Silva era brasileiro. Processado, ha dez annos, por haver assassinado sua esposa, em Bangú, onde, então, morava, sob a allegação de que a mesma o trahia, fôra condemnado e recolhido á Casa de Correcção.

"Ha pouco tempo, graças ao seu bom comportamento, no presidio, obtivera livramento condicional.

"Indo morar naquelle barracão aos fundos do predio 35, da rua Conselheiro Agostinho, ali conhecera Maria Mendonça, empregada da familia que reside no alludido predio. Preparava-se para com ella casar-se.

"Deixou duas filhas: Guiomar, de 11 annos, e Dorvalina, de 13, ambas alumnas internas do Asylo Nossa Senhora de Pompéa."

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Graças a uma entidade benfazeja, esse exemplar da revista faz parte do acervo de periódicos das  Faculdades Curitiba, copiei quando trabalhava lá. São três volumes encadernados com as melhores histórias de crimes passionais que já tive a oportunidade de ler. E para que meus leitores tenham uma melhor idéia da preciosidade que é a citada revista, conto-lhes que a mesma traz, entre casos policiais nacionais e estrangeiros, o conto "Duplo Assissinio na Rua Morgue", escrito por Edgard Poe.

Estão vendendo no Mercado Livre. É salgado, mas é delicioso.

Comentários

  1. Salgado mesmo! Não pude deixar de sentir um aperto ao ler a reportagem. Gosto de revistas antigas, na biblioteca da escola passava horas folheando a Manchete, rs

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    1. Revistas antigas são tudo de bom, né não? O texto era mais caprichado, mais importante, que hoje em dia... tirando a piauí, claro. Hoje é tudo seco. pá-pum.

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